E por falar em Santa Marta....

31/07/2009 comentários
Esse texto é dedicado à Apafunk, à Visão da Favela Brasil, a Cia Marginal, ao Lutarmada, à Justiça Global, ao CDDH de Petrópolis, ao DPQ, a Rede Contra Violência, ao Mandato do Marcelo Freixo, ao DDH, ao MST, ao MTD, ao Fazendo Média, a Renajop, ao Latuff, ao Diego Novaes...e a todos aqueles que lutam em defesa dos direitos humanos e contra a criminalização no Rio de Janeiro.

Apesar da clara vontade de todos os presentes na roda de abrir mão de suas falas para ouvir o som do funk, não era possível fazer isso. E não era possível porque a roda de funk é uma legítima manifestação política que hoje só existe como manifestação. Caso não fosse solicitada sua autorização dessa forma – resultado de uma conquista do povo brasileiro inscrita em sua constituição – a roda sequer aconteceria.

Não aconteceria porque seria considerada um baile funk, e hoje, segundo a lei estadual 5.265 de autoria do ex-deputado e ex-chefe de polícia Álvaro Lins, para realizá-lo é necessário pedir autorização com 30 dias de antecedência para a polícia local, ter comprovante de tratamento acústico, ter um banheiro químico para cada 50 pessoas, acompanhamento de câmeras, informar ainda a expectativa de público, o número de ingressos colocados à disposição, nome do responsável pelo evento, área para estacionamento e previsão de horário de início e término do baile...ufa! Enfim, para bons entendedores: só pode ser feito por grandes equipes de som, grandes casas de shows e para um público minimamente capitalizado. Nenhum problema com a “democratização” do público do funk, mas e quem o criou, não tem sequer direito a ouví-lo, cantá-lo e dançá-lo? Infelizmente essa já é a realidade no Rio de Janeiro há mais de um ano.]

Durante todo esse semestre, além disso, assistimos às grandes propagandas da "favela modelo" Santa Marta, da sua unidade pacificadora, do novo gênero de seus comandantes. E encerrávamos a rotina de um semestre indo lá, semanalmente, para ouvir as arbitrariedades ocultadas que vinham sendo cometidas pela antiga polícia com suas novas roupagens. Depois de proibir todas as manifestações culturais do dia-a-dia e de tratar a comunidade através da vida sob cerco (ou melhor, vida entre muros), a polícia da "paz" ainda pretendia proibir uma manifestação político-cultural, a liberdade de expressão. Talvez não fosse demais para aqueles que impedem a liberdade de ir e vir, impedir só “mais uma coisinha”, não é mesmo?

E não foi. A queda de braço para realização da roda durou semanas, ganhou visibilidade e no final, segundo a PM, não passou de um pequeno “mal entendido”...

No entanto, a roda de funk do Santa Marta entendeu bem. E veio para dizer, veio para soltar a voz da garganta, arrancar lágrimas teatralizadas da vida real e mostrar que, para paz, é preciso, antes de tudo, voz. Porque se alguma parte não entendeu o que estava ali sendo feito, não era a parte que estava em roda, mas talvez a que estivesse em fila e por isso não conseguia ver os olhos de todos. Mas ninguém saiu desentendido, não foi à toa o silêncio posterior: é a forma como se vem tratando, faz oitos meses, de tentar “calar os gemidos que existem nessa cidade”.

Mas nossa parte sabia muito bem que, depois todo esse tempo, havia ali uma grande conquista, que não passava de um direito – mas para provar que era como todos os outros – deveria ser arrancado, pois nunca foram dados de graça. Uma vitória sobre o silêncio, a arma da opressão. Uma vitória sobre a idéia de que o medo e a cabeça baixa sejam a única alternativa para a pobreza. Paz sem voz é medo. E o medo é a verdadeira voz daqueles que querem tratar toda a vida social como assunto de segurança.

A Apafunk, a Cia Marginal, o Visão da Favela Brasil, o Lutarmada e todos que alí estavam comprovaram que, como ouvi uma vez dizer um MC: nós não podemos ser a geração que vai engolir calada a criminalização da pobreza e da sua cultura.

Não, definitivamente.

E nossas vozes em ritmo de funk, de teatro, de hip-hop e de intervenções vieram juntas para mostrar “qual a paz que queremos conservar para tentar ser feliz”.

Créditos Texto: * Isabel Mansur (Justiça Global e Militante de direitos humanos no RJ.)

 
 
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