Para ter a consciência que o funk tem o seu lugar

10/09/2013 comentários
Rebeca Letieri e Gustavo Amaral



No site oficial da Associação, a frase de abertura é de Mahatma Gandhi: "Temos que ser a mudança que queremos para o mundo". Contra o preconceito e a discriminação do Funk, em 10 de dezembro de 2008, Leonardo Mota, o MC Leonardo, fundou a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk  (APAFunk), objetivando defender os direitos dos funkeiros, lutando pela Cultura Funk.

Para isso, a Associação promove atividades e debates que conscientizem os artistas sobre os seus direitos. Segundo o próprio site, a ponte entre asfalto e morro é feita através de "Rodas de funk, palestras e videos são alguns instrumentos utilizados pela associação para levar a mensagem da Associação para universidades, escolas, cadeias, favelas, praças, ruas e todas as instituições da sociedade que abram espaço para debater a nossa cultura."

“Conheci a APAFunk em 2009 através de algumas das suas conquistas. Em 2010 participei de uma roda na Cantareira, em Niterói, com o MC Leonardo. Estranhei porque na Cantareira todos os eventos enchiam, e não foi o caso do funk. Existia um esvaziamento do espaço. Nesse tempo eu notei que quatro carros da polícia passaram pelo local mandando desligar o som. Eu já sabia da discriminação do funk. E isso ainda é visto hoje”, comentou a estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do APAFunk, Catherine Lira. 

 “Era trabalhador, pegava o trem lotado 
E a boa vizinhança era considerado 
E todo mundo dizia que era um cara maneiro 
Outros o criticavam porque ele era funkeiro”
(Rap do Silva – MC Marcinho)

A estudante ainda ressalta a importância do papel político que a Associação cumpre na sociedade, permitindo debates nas comunidades na busca por autonomia. “A Associação coloca o favelado e o funkeiro como protagonistas nesse processo. É mais do que realizar um evento e reunir o pessoal. É garantir a luta pelo espaço, contra a discriminação da música e do favelado. Funk não é crime, é cultura”, completou. 

A forma como o Estado trata a cultura popular já foi tema de debate em diversas universidades do Rio de Janeiro. A política de proibição e repressão a eventos nas favelas do Rio trouxe algumas questões a serem levantadas pelo grupo: a Resolução 013 , conhecida como "Zero Treze", é a norma usada pelo governo que dá poderes para a Polícia Militar proibir o baile funk nos espaços públicos e comunidades. “Quando você proíbe um baile na favela, não é só um evento que você está proibindo. Você está cerceando o espaço de lazer que as pessoas têm. É toda uma vida na favela que você está impedindo de fazer história”, ressalta Catherine. 

Além de ferir a Constituição, como o direito à cultura e de manifestação cultural, a resolução também passava por cima do direito do trabalhador – os produtores –, submetendo-os ao poder da Polícia Militar. “Causou estranhamento saber que a gente tinha que pedir autorização para policiais para fazer qualquer tipo de evento social, esportivo ou cultural”, afirmou Guilherme Pimentel, também membro da APAFunk.

Funk como cultura

Em sua trajetória, a Lei “Funk é Cultura” (Lei 5543/2009) foi um marco que definiu o início da mudança da relação do Estado com os artistas funkeiros. A exigência que se fazia era básica: em vez de repressão, queriam respeito, financiamento e incentivo. 

A APAFunk deu início à criação dessa lei que reconhece o movimento como cultura, revogando a Lei 5265/08, que restringia os eventos de funk. A necessidade de dar visibilidade ao movimento fez expandir as rodas. Em 1º de setembro de 2009, a Assembleia Legislativa (Alerj) do Rio de Janeiro aprovou, por unanimidade, o projeto dos deputados Marcelo Freixo (PSOL), em parceria com Paulo Melo (PMDB) e Wagner Montes (PDT). Cerca de 700 jovens ocuparam as galerias internas da Alerj e as ruas próximas. O funk, a partir de então, tornava-se oficialmente cultura. 

Diante dessa conquista, surgiram os primeiros editais do Governo do Estado voltados diretamente para a cultura funk, como o primeiro projeto com programação do estilo musical carioca em uma rádio pública, além da inauguração de diversos grandes bailes. 

O site da APAFunk também publica textos sobre leis e outros projetos sobre o movimento. “É uma coisa que se desconstrói com o tempo. Não que a gente precise de um papel para poder reconhecer que o funk é cultura. Não vou dizer que o Estado não avançou. Hoje o Estado já sabe da existência de uma Associação, e isso já é uma vitória. Mas a gente continua tendo problemas pra realizar rodas de funk dentro da favela”, comentou o presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk, Mano Teko.

Além disso, a Associação se orgulha de outras conquistas, como a aproximação com outros movimentos sociais e a cartilha “Liberta o pancadão – o manual de direitos do MC”, feita em parceria com o movimento Direito para Quem e a revista Vírus Planetário. Ela vem com uma série de informações sobre a história do funk, além de esclarecer artistas e profissionais sobre assuntos como direitos autorais, proteção e garantia da autoria da obra, entre outros. 
A intenção é ampliar a diversidade da produção musical funkeira, através de sua difusão na sociedade, fornecendo alternativas para quem quer entrar no mercado e garantindo assessoria jurídica e de imprensa, essenciais para proteger os direitos e a imagem dos artistas.

Apesar disso, o presidente da APAFunk reclama sobre questões não apenas contratuais, mas também de linguagem: “Existem duas rádios para você tocar. Aí é obrigado a assinar um contrato, sobre o qual você não dialoga. A questão da linguagem quebrou um pouco, mas alguns lugares ainda insistem que você tem que falar sobre determinado tema. Se você fizer um rap sobre a sua rua, como o funk bem colocou as favelas no mapa do Brasil, dificilmente vai conseguir tocar”, comentou Mano Teko.

A favela na mídia

“Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci
E poder me orgulhar / E ter a consciência 
Que o pobre tem seu lugar”
(Rap da Felicidade – Cidinho e Doca)

O termo “favela” tornou-se importante ícone de reconhecimento e respeito nas redes sociais. Porém, para os amigos do funk o “X da questão” é outro: “A gente não tem apoio de nada. Temos as redes sociais pra usar a nosso favor. Enquanto o outro lado, que criminaliza o movimento, tem a TV Globo e diversos programas. O funk agora está em todas as festas, em todas as boates. Legal, mas e na base, como é que está?”, indagou Mano Teko. 

A intenção não é radicalizar a divisão entre favela e asfalto. Porém, uma crítica que a Associação faz é com relação ao uso do termo para fins pessoais com o objetivo de conseguir promoção através do uso de sua linguagem. 

“Às vezes acho que a classe artística é a pior, porque tem um jogo de ego. O cara quer ser o centro da parada, ter visibilidade. Uma coisa que a APAFunk já no primeiro contato com profissionais deixa bem claro é que isso não faz parte da discussão. A gente não quer dar visibilidade a ninguém. A gente quer que as nossas pautas sejam discutidas”, ressaltou o presidente.

O complexo do Alemão é o exemplo mais próximo dessa ocorrência: Teleférico, Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e tráfico, como foi representado recentemente na novela da Rede Globo “Salve Jorge”. A comunidade não deixa de ser um local importante, porém, para os amigos do funk nada deve ser como um espetáculo. 

“Escuto vários profissionais falarem que o funk está no seu melhor momento, porque está na novela, está no Domingão do Faustão. E eu fico feliz pelo MC Coringa, o MC Sapão e a MC Anitta. Quero que eles continuem ou até estejam acima do que eles consideram ideal em termos de carreira. Só que não posso me prender à carreira do MC A, do DJ B ou da equipe C. Enquanto essa galera está assim na televisão, é muito positivo. É altamente negativo saber que o ‘menor’ está sendo proibido de ouvir funk na base”, comentou Teko. 


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